terça-feira, 24 de fevereiro de 2015



PROGRAMAÇÃO 2015


CAPOEIRA: de arte negra a esporte branco



CAPOEIRA: de arte negra a esporte branco

ALEJANDRO FRIGERIO


Introdução
A Capoeira, chamada hoje de "o esporte brasileiro", ou "a arte marcial brasileira", é, na realidade, uma rica expressão artística (mistura de luta e dança) que faz parte do patrimônio cultural afro-brasileiro. Depois de sofrer duras perseguições, chega ao Brasil, na primeira metade do nosso século, sob a forma de Capoeira Angola. É a partir desta forma inicial que o famoso Mestre Bimba cria outra variante, a chamada Capoeira Regional, forma que hoje se expande por todo o Brasil, chegando até a outros países.
O presente trabalho propõe oito características que, de acordo com o nosso critério, definem a Capoeira tradicional (Angola) como uma forma artística única, criação afro-brasileira que reflete fielmente as pautas do grupo étnico do qual surge. Como chega até nós, tem aspectos de dança, luta, jogo, música, ritual e mímica A conjunção de todos esses elementos gera um produto que não pode ser classificado atendendo apenas a uma única dessas facetas, sob pena de perder sua originalidade como arte.
Com base nessas características, apresentaremos um rápido panorama do desenvolvimento histórico dessa arte, desde a terceira década do século até nossos dias.
A partir do surgimento da Capoeira Regional, descreveremos as transformações que se vão produzindo - tanto nas práticas como na própria concepção do que é a Capoeira, à medida que esta se expande para outros grupos sociais e horizontes geográficos. Essas transformações, segundo acreditamos, não escapam à influência da peculiar estruturação de classes da sociedade brasileira e, neste sentido, são comparáveis às que sofreram a religião afro-brasileira com o surgimento da Umbanda.
Essas duas expressões da cultura popular negra, a religião e esse singular jogo/luta/dança, para serem legitimadas e integradas ao sistema, precisam perder várias das características que lhes são próprias, em virtude de sua origem étnica, para adquirirem outros traços que as tornem mais aceitáveis aos olhos das classes dominantes. Podemos então interpretar o aparecimento da Capoeira Regional como um "embranquecimento" da Capoeira tradicional (Angola), seguindo um esquema semelhante ao proposto por Ortiz (1978) para a Umbanda.
Nossa análise baseia-se principalmente em observações feitas em 1983, 1985, 1986 e 1987 (um total de oito meses) nas academias de Capoeira Angola mais importantes da Bahia e em visitas a academias de Capoeira Regional na Bahia, São Paulo, Belo Horizonte, Los Angeles, São Francisco, Nova Iorque e Buenos Aires (1).
Estas observações são complementadas com a bibliografia relativa ao assunto e com nosso aprendizado de Capoeira Angola com o Mestre João Pequeno, na Bahia, nos anos citados, e de Capoeira Regional, desde 1982, principalmente nos Estados Unidos e em Buenos Aires (2).


A Capoeira como arte
As oito características que, segundo nossa maneira de ver, diferenciam a Capoeira Angola e a definem como arte são as seguintes:
1) Malícia: Quase todos os autores (e praticantes) são unânimes em admitir que este é um dos "fundamentos" da Capoeira - a habilidade de surpreender o adversário, de "fechar-se" e evitar ser apanhado de surpresa pelo outro. O bom capoeirista está sempre "fechado" e sabe que a qualquer movimento seu corresponderá um equivalente do adversário, exigindo que esteja preparado até para os mais inesperados.
A picardia no jogo é admirada (e desfrutada) pelo público e pelo próprio adversário. O "angoleiro" distrai seu rival, brinca com ele, engana-o, mostrando-se desprotegido, para ser atacado justamente onde deseja e, assim, lançar seu contra-ataque com mais eficácia.

2) Complementação: Os dois jogadores ficam atentos aos movimentos um do outro e sempre se deslocam, atacam ou se defendem em função do que fizer o adversário, ou para provocar determinado movimento deste. Joga-se sempre perto do rival e respondendo a seus movimentos através de ataques, defesas e contra-ataques.
Os capoeiristas não devem entrar em choque direto, porque assim a harmonia do jogo será rompida. É preciso contribuir para criar essa harmonia desenvolvendo o próprio jogo, mas deixando que o adversário possa fazer o seu próprio É preciso jogar e deixar jogar.

3) Jogo baixo: O jogo de Angola tem movimentos predominantemente (mas não apenas) baixos. Isto significa que, embora grande parte dos movimentos requeira que ambas as mãos estejam apoiadas no chão, as pernadas são, em geral, de pouca altura, e as posições de guarda (com as quais se espera o movimento do rival e se prepara o próprio) exigem que as pernas estejam flexionadas e o tronco e a cintura a baixa altura.
Ao contrário do estereótipo, Angola também se joga de pé, mas as pernadas são baixas. Embora predomine o jogo a baixa altura, os movimentos de pé e em posições intermediárias (que permitem passar de um plano alto para outro, baixo) têm importância quase equivalente, já que esta alternância possibilita maior quantidade de movimentos e dá uma dinâmica especial ao jogo.

4) Ausência de violência: Na Capoeira Angola, os jogos, em geral; são exatamente isso - jogos. Pretende-se, sim, atingir o adversário com alguns golpes, evitar que ele nos alcance, mas na Angola bem feita, jogada por mestres e alunos adiantados, a luta (no sentido de atingir o adversário) está sempre inseparavelmente misturada com o jogo. Esta paródia de um combate traz prazer, diverte tanto os que jogam como os que observam. Isto se verifica nos corpos descontraídos e nos rostos sorridentes dos jogadores, e no prazer desfrutado por quem observa. Freqüentemente, quem é (apesar de todos os esforços em contrário) atingido por algum golpe sorri e se diverte com essa picardia de seu adversário, que conseguiu penetrar suas defesas. Certa vez, Canjiquinha, um dos mestres da velha guarda baiana, como comentário apreciativo sobre um dos melhores angoleiros da nova geração, declarou: "Ele joga rindo o tempo todo". Esta atitude descontraída também é observada na duração dos jogos, muito mais longos do que os da Regional.
Apesar disso, não se deve incorrer no equívoco freqüente de considerar a Capoeira Angola apenas um jogo. É um jogo sim, mas apenas a partir do momento em que ambos os jogadores, respeitando a tradição, decidem divertir-se dentro de uma roda. A violação deste acordo tácito por algum dos adversários pode fazer com que o jogo se transforme em luta. Citando o Mestre João Pequeno, o mais antigo angoleiro dos que ainda ensinam esta arte: "A Capoeira é brincadeira, a Capoeira é festa, é alegria mas, na hora exata, ela é defesa".
Sem os golpes espetaculares da Capoeira Regional, o angoleiro desde o início aprende a fechar-se, a não deixar resquícios de seus movimentos e a atacar no momento certo. Um bom angoleiro é muito difícil de agarrar e aproveitará a mínima falha ou vacilação de seu adversário para atingi-lo.

5) Movimentos bonitos: Este é um dos elementos mais importantes da Capoeira Angola, e dos menos entendidos. Nesta mistura indissolúvel de luta e jogo, o elemento estético adquire grande importância. Mas é uma estética própria, que surge de um contexto étnico determinado (o afro-brasileiro) e que, por isso, não é bem compreendido e se transforma rapidamente (para não dizer se perde) quando essa forma artística se desloca para outros segmentos sociais que não a compartilham.
Essa característica se soma às anteriores, e, embora o angoleiro procure fazer movimentos bonitos, por causa da importância da malícia, da complementação e união de jogo e luta, nunca, ou quase nunca, os fará pela beleza em si. Os movimentos, embora sempre bonitos, servem como defesa para o deslocamento ou, ainda, para o ataque, e são respostas a movimentos dos adversários. É difícil ver um angoleiro ficar desprotegido por fazer um movimento belo. Ele o fará, mas de forma tal a ficar protegido ou a levar seu adversário a pensar que está. Aí inventará um contra-ataque fulminante. Tampouco interromperán o fluir do jogo para fazer alguma pirueta que não seja exigida.
É importante a idéia de uma estética própria, porque este é um dos aspectos da Capoeira que mais está se perdendo com a incorporação de elementos e modelos provenientes das artes marciais e/ou da ginástica esportiva. Assim, se a técnica da Capoeira Regional requer ou enfatiza os movimentos altos, retos, estilizados, a beleza particular da Capoeira Angola reside em movimentos encolhidos, fechados, para dar pouco espaço ao adversário, mas com um perfeito controle do corpo, para desarmá-los ou transformá-los segundo o momento o exija. A expressão do rosto, a gestualidade das mãos e braços, a ginga mais dançada e, freqüentemente, quase substituída por passos do bailado de outras manifestações negras, a cadência geral dos movimentos - tudo isso é parte importante dessa estética (quase impossível de descrever adequadamente por escrito), que reflete fielmente sua origem social e cultural.

6 ) Música lenta: A Capoeira Angola é cadenciada e se realiza com um ritmo lento, em comparação com o de outras variantes. É um jogo de domínio do corpo, mas também da mente. Num bom aprendizado, os movimentos de um jogo são esmiuçados e as várias possibilidades de ação estudadas, como num jogo de xadrez. A descontração do corpo e os movimentos lentos permitem que os jogos de Angola sejam muito mais demorados que os da Regional.

7) Importância do ritual: A Capoeira é um jogo com regras não escritas mas que, assim mesmo, estão presentes e regem seu desenrolar. No caso da Angola, o conhecimento dessas regras (que regem um número de aspectos muito mais diversificado do que em outras variantes) é muito importante. Não se pode ser bom angoleiro quando não se sabe direito quando sair do pé do berimbau, que gestos invocando proteção se realizam antes disso, ou como se faz adequadamente uma "pedida de aú". A infração a estas regras provocará gestos de desaprovação entre os assistentes, ou o infrator será ridicularizado. Como no Candomblé, no qual saber que cantiga cantar no momento adequado demonstra conhecimento, "estar por dentro" desta manifestação da cultura popular, assim também acontece com a Capoeira. A correta apreciação do que está acontecendo num jogo e de como atuar com relação a isto também é motivo de orgulho e prestígio dentro do grupo.

8) Teatralidade: Este é outro aspecto geralmente relegado quando se fala de Capoeira. Na prática, cada vez mais é deixado de lado como coisa do passado, próprio da Capoeira classificada como "folclore".
No entanto, as expressões do rosto, os movimentos das mãos, fingindo medo, distração, alegria, convidando o adversário a jogar ou distraindo sua atenção; a maneira como certas canções são gestualizadas; tudo isso faz parte da essência da Capoeira Angola.
Assim, desde antes do início do jogo propriamente dito, ao pé do berimbau, um dos jogadores pode cantar uma ladainha, expressando sua posição com relação ao mundo, da roda ou de seu adversário. Se este não responde com outra, alusiva à sua mensagem, então se passará ao canto de entrada, durante o qual se fará sinais com gestos em direção ao alto (ao cantar "Viva meu Deus”), ao mestre ("Viva meu Mestre"), ao adversário ("é mandingueiro", ou "sabe jogar"), para os lados ("joga aqui pra cá") ou em torno ("pelo mundo afora"). Em seguida, o rival será convidado a sair e começará o jogo propriamente dito. Ao começar o canto de entrada, também podem ser feitos gestos que invocam a proteção divina (sinal da cruz, traçar o signo de Salomão - estrela de seis pontas - no chão, juntar as mãos, olhando para o alto) para o jogo que se realizará. Dá-se a mão ao adversário e este é convidado (ao terminar o canto de entrada e começarem as cantigas) a jogar. Isto não é feito necessariamente sempre assim, mas se a intenção é jogar como se deve, serão respeitadas várias dessas formas.
Em seguida, durante o jogo, as expressões do rosto, os gestos das mãos, convidam o oponente a jogar, distraem sua atenção, fingem medo e surpresa ante os movimentos dele, alegria ante o prazer de jogar. Um golpe recebido, através da "dramatização" adequada, pode ser incorporado ao fluir do jogo e demonstrará que quem o recebeu o fez com picardia, com o verdadeiro espírito de um angoleiro, que sabe que coisas assim acontecem na vida e as aceita como algo natural. Esta dramatização do fato pode também servir como disfarce para o próximo golpe que se lançará.
A Capoeira tradicional é como um "teatro mágico", como bem a define Nestor Capoeira (1985, p109): uma "escola para a vida" que, reproduzindo metaforicamente as situações que o jogador pode encontrar na realidade, prepara-o para melhor encará-las.
Dessa teatralização também podem participar todos os que assistem à roda, não apenas quem joga naquele momento. Como os cantos podem ser iniciados por qualquer um dos participantes, às vezes, através destes, será feita referência (em geral brincalhona) ao que está acontecendo dentro da roda.
Essas oito qualidades, segundo acreditamos, são as que caracterizam a Capoeira Angola atual. São, portanto, também, representativas de como era a Capoeira existente antes de se criar o estilo da Capoeira Regional. Embora a Capoeira Angola também tenha se modificado com a passagem do tempo, conversas com velhos mestres e o jogo de quem, com 60 anos ou mais, ainda a pratica nos dão a demonstração de que a Angola atual conserva muito da tradicional.
A Capoeira é, insistimos, uma forma artística complexa, um jogo-luta, uma dança-ritual-teatro, fruto da criação coletiva de um grupo social determinado - no caso, as camadas populares negras do Brasil. Como tal, deve refletir as características mais gerais do grupo do qual surge. Isto se vê claramente na ênfase que se dá, na Capoeira, à malícia e à picardia.
Estar sempre atento, para aproveitar a menor oportunidade e tirar vantagem (e evitar ser vítima disso), são traços próprios de quem deve esmerar-se na arte de sobreviver com os magros recursos a seu alcance, traços que se observam ainda hoje nas atitudes cotidianas dos setores populares baianos. A picardia se expressa tanto no samba como na Capoeira, na conquista de uma mulher como nos brincalhões duelos verbais, tão peculiares a este setor. É um estilo étnico próprio (Kochman, 1981) que se reflete nas diversas modalidades da cultura grupal.
O que acontece quando uma arte que reflete as características culturais de um grupo começa a estender-se para fora dele, chegando a outras camadas sociais e a diversos contextos geográficos? Tem; forçosamente, de mudar. Mas a mudança, embora inevitável, quando se trata de qualquer manifestação social e cultural (para uma crítica pormenorizada das visões estáticas de outros aspectos da cultura afro-brasileira, neste caso o Candomblé, ver Frigerio, 1983), também vai expressar as assimétricas relações de poder existentes na sociedade. Quem tem maior poder econômico e social poderá com maior facilidade influir no processo de mudança, impondo seus valores e visões de mundo.
Ainda considerando os fatores sociais como condicionadores de todo o processo de mudança, ao analisar a transformação da Capoeira não se pode perder de vista a influência que um homem teve sobre esse processo. Idolatrado pelos praticantes da Capoeira Regional, menosprezado ou ignorado pelos angoleiros, toda a evolução posterior da arte tem como ponto de referência inevitável o Mestre Bimba.

A Capoeira como luta
Todos os autores que já escreveram sobre Capoeira (Rego, 1968; Moura, 1980; Almeida, 1981 e 1986; Capoeira, 1981 e 1985; Areias, 1983), ao falarem de Mestre Bimba, são unânimes em afirmar que:
1)      1) Bimba era um capoeirista consumado, praticante de Angola (única variante existente na época).
2) Achando que essa modalidade deixava "muito a desejar em termos de luta" (Itapoan, 1982, p. 14), criou um novo estilo, que chamou de "Luta Regional Baiana" (Rego, 1968, p. 269) e que logo passaria a ser conhecido como Capoeira Regional.
3) Foi o primeiro Mestre a abrir uma escola (academia) de Capoeira, em 1932. Seu "Centro de Cultura Física e Capoeira Regional" foi também a primeira escola de Capoeira reconhecida oficialmente pelo governo, em 1937.
4) Acredita-se, também, que ele foi o primeiro Mestre a desenvolver uma metodologia de ensino. Os alunos aprendiam um determinado número de lições e distinguiam-se três níveis de praticantes: “iniciantes”, "formados" e "formados especializados" (Capoeira, 1985, p. 95). Introduziu, ainda, suas oito famosas "seqüências", combinações programadas de ataque e defesa praticadas, todas elas, por seus alunos, que, ainda hoje, utilizam amplamente seus ensinamentos
5) Outra característica peculiar a sua escola, e que terá importantes conseqüências para o futuro desenvolvimento da Capoeira, é que um setor majoritário (ou pelo menos importante, já que não há estimativas exatas) de seus alunos pertencia à classe média e alta baiana: "seus discípulos variam desde o homem do povo até políticos, ex-chefes de Estado, doutores, artistas e intelectuais" (Rego, 1968, p. 283). Segundo Mestre Acordeon, ex-aluno seu, "a maior-parte dos capoeiristas de Mestre Bimba estudava em colégios e universidades" (Almeida, 1981, p.45).
Esse fato traz conseqüências diversas. Segundo a maioria dos autores (Rego, 1968, p. 361; Areias, 1983, p. 68; Capoeira, 1985, p. 111; Almeida, 1981, p. 40), é graças a isso que a Capoeira começa a ganhar mais aceitação social, deixando de ser considerada como algo praticado por desqualificados marginais e passando a ser vista como uma manifestação cultural do povo baiano. Em 1937 (Areias, 1983, p. 67), a escola de Bimba, primeiro grupo de Capoeira a realizar uma apresentação no palácio do governo baiano, é reconhecida oficialmente. Com o passar dos anos, o Mestre realiza várias apresentações perante diversas autoridades, e em 1953 apresenta-se para o Presidente Getúlio Vargas.
Outras conseqüências da irrupção de jovens dos setores acomodados baianos na prática da Capoeira são menos positivas. Segundo Areias (1983, p. 69), o fato de que a academia era freqüentada por membros da burguesia acarreta uma alienação com relação ao meio que deu origem à arte (algo parecido, embora sem precisar exatamente a escola, sugere Rego, 1968, p. 290), já que "uma das medidas adotadas (...) foi a de aceitar apenas alunos que tivessem carteira profissional assinada, ou que fossem estudantes ou tivessem alguma outra ocupação reconhecida (...)" (Areias, 1983, p. 69), para evitar a afluência de "maus elementos". Com a mesma finalidade, "era proibido ao aluno freqüentar e participar das rodas de Capoeira Angola e das rodas de rua" (Areias, 1983, p. 69). Segundo Mestre Gato, capoeirista antigo:

"Formou-se um grupo de alunos brancos em torno de Bimba que, de certa maneira, até mandavam. Bimba, apesar de ser um homem excepcional, era ignorante. A verdade é que os negros tinham muito poucas oportunidades de ir para a academia de Bimba aprender Regional. Não estou dizendo que não havia negros praticando Regional, mas, mas para seis negros, havia seiscentos brancos, enquanto em Angola 80% eram negros" (Capoeira, 1985, p. 162).

Com Bimba, então, a Capoeira começa a sofrer uma transformação acelerada. Com ele, deixa de ser brincadeira, vadiação, para ser uma luta propriamente dita. Bimba era um temível lutador e talvez fosse sua fama que atraísse os jovens da burguesia.
A Capoeira de Bimba elimina ou reduz a ênfase nos efeitos cerimoniais, rituais e lúdicos da Capoeira Angola e incorpora novos elementos de luta que, até aquele momento, eram-lhe estranhos: agarramentos, defesas contra estes e certos golpes novos. Não se sabe ao certo a origem desses novos movimentos. Segundo o que próprio Bimba disse a Rego (1968, p. 33), ele "se valeu de golpes de batuque (..) assim como de detalhes da coreografia do maculelê (...) além dos golpes da luta greco-romana, jiu-jitsu, judô e savate (...)". A influência do batuque chegara até ele através de seu pai, consumado praticante dessa arte popular. A verdadeira influência das lutas orientais e européias na Regional de Bimba é objeto de discussão: Carneiro (1975, p. 14) a enfatiza; seus ex-alunos a negam (Itapoan, 1982) ou minimizam (Almeida, 1981, p. 42); outros autores, como Rego (1968, p. 269) ou Areias (1985, pp. 67 e 70), registram-na, mas não a destacam.
O certo é que, a partir de Bimba, na década de 30, a Capoeira sofre uma grande transformação. Enfatizam-se os aspectos de luta, são acrescentados novos movimentos, aparece um grupo importante de praticantes das classes médias e altas e a Capoeira começa a ser praticada dentro da legalidade.




A Capoeira como "folclore".
Começa, assim, o que poderíamos denominar de processo de legitimação social da Capoeira, já que ela não é mais considerada uma prática de marginais, mas começa a ser valorizada como luta e também como uma tradição cultural baiana.
Começa, também, no entanto, junto com a legitimação, o processo de descaracterização (para usar um vocábulo popular entre os angoleiros) da Capoeira. Sua prática diminui no ambiente que lhe deu origem, a rua e as festas de largo, para evitar associações com o meio popular, com seu passado turvo, e passa-se a praticá-la em recintos fechados, escolas que servem como meio de vida para os mestres.
Um dos fatores que mais contribuem para sua descaracterização é (Rego, 1968, p. 361) o próprio órgão municipal de turismo da Bahia. Este programa freqüentes apresentações para turistas, e as academias começam a disputar entre os favores da entidade, acrescentando ingredientes diferentes (samba de roda, pilhérias etc.) a suas apresentações, a fim de torná-las mais agradáveis para o turista.
Assim a Capoeira se "folcloriza". Em vez de se impor como uma manifestação cultural popular, com características próprias, apresenta-se uma imagem adulterada da mesma, procurando o que mais impressione e agrade o turista.

A capoeira como esporte
Na década de 60, a Bahia continuava sendo o centro nevrálgico da Capoeira. Mas, por essa época, muitos Mestres, atraídos pelas possibilidades econômicas do Sul, começaram a emigrar para o Rio de Janeiro e São Paulo. A Capoeira, aos poucos, espalhava-se pelo Brasil inteiro.
Fora de seu contexto geográfico e social, distante de suas raízes negras e baianas, a Capoeira já não pode ser praticada como uma manifestação artística espontânea, e tampouco estereotipada como folclore. Também não pode ser uma luta ao estilo de Bimba, que desafiava "qualquer lutador, de qualquer luta, a enfrentá-lo com sua Regional" (Itapoan, 1982, p. 16) e que treinava esquivando-se de pedras jogadas por seus alunos e de navalhas suspensas por um fio (Itapoan, 1982, p 39).
Começa então a ganhar popularidade a idéia de que, devidamente regulamentada, a Capoeira poderia ganhar um lugar junto às artes marciais orientais, já aceitas pela sociedade brasileira. Passaria, assim, a ser "a arte marcial brasileira", uma luta esportiva com competições regulamentadas.
Surgem, assim, em fins da década de sessenta, os primeiros campeonatos e tentativas de regulamentação da Capoeira. Em 1968 e 1969, realizam-se, numa base da Força Aérea, no Rio de Janeiro, o primeiro e o segundo simpósios brasileiros de Capoeira. Neles, tentou-se "criar uma única nomenclatura para os golpes, um único sistema de graduação de alunos, critérios para graduação de Mestres, tudo com a intenção de fundar federações de Capoeira (...) e transformá-la no ‘esporte nacional’” (Capoeira, 1985, p. 132). Naquela mesma época, realizam-se na Bahia os primeiros campeonatos de Capoeira.
Em 1972, a Capoeira é declarada "esporte" pelo Conselho Nacional de Desportos, e sua prática, como tal, é regulamentada oficialmente, através da Confederação brasileira de Pugilismo. Em 1974, é criada a primeira Federação de Capoeira em São Paulo, e em 1984, a segunda, no Rio de Janeiro. Falta ainda surgir outra, num terceiro estado, para que se possa criar a Confederação Nacional de Capoeira, livrando-a da tutela do pugilismo. Em meados da década de 70 realizam-se também os primeiros campeonatos nacionais de Capoeira.
Esse desenvolvimento da Capoeira/esporte acarreta várias conseqüências para a prática e a concepção vigente quanto a esta atividade. Entre elas, destacamos:

1) Uma crescente burocratização: A Capoeira, para poder ser considerada esporte, tem de ser competitiva e regulamentada (Capoeira, 1985, p. 147), tornando-se necessário, portanto, que existam associações, federações e uma confederação que, agrupando-as, consagre um regulamento único para a competição, o ensino da atividade e os critérios de graduação de Mestres. Tudo isso conduz a uma burocratização crescente e a uma submissão do esporte/luta à política oficial, já que as federações dependem, em última instância, do Conselho Nacional de Desportos.
Os torneios, a regulamentação e as federações provocaram uma grande controvérsia nos últimos 15 anos. Os torneios tiveram bastante aceitação, mas não a organização de federações. Em grande parte, os capoeiristas não estão filiados às duas existentes, por não estarem de acordo com o direito que elas se arrogam de deter o monopólio da fiscalização da prática. Como toda atividade de origem popular, não codificada, existem diferentes concepções em torno do que ela é e de como deve ser praticada e ensinada. Zelosos de sua individualidade -que a tradição da própria arte fomenta -, os Mestres não querem ser controlados por uma federação.

2) A incorporação de elementos das artes marciais orientais: A capoeira é definida globalmente como esporte mas, por suas características, é considerada uma luta. O uso predominante das pernas faz com que, dentro das lutas/esportes, seja equiparada às artes marciais orientais, mais do que ao boxe ou à luta greco-romana, por exemplo. Assim, é considerada a "arte marcial brasileira". Esta definição é vantajosa, já que apela não apenas para o nacionalismo mas também para a legitimidade que s outras artes marciais conseguiram. Ao tomá-las como modelo (consciente ou não) a ser imitado, a Capoeira incorpora elementos que as caracterizam: o uniforme branco, a prática de pés descalços, o uso de cordões para classificar diferentes etapas do aprendizado, a atitude séria e marcial durante os treinos, a saudação ritual (em posição marcial) no início e no fim da aula. Também foram acrescentados pontapés e golpes de mão que, tradicionalmente, não existiam na Capoeira, modificou-se a execução de certos golpes que já existiam, tornando-os "mais técnicos" (portanto, mais parecidos com os do karatê), introduziram-se técnicas de "defesa pessoal" e, às vezes, até são utilizadas "guardas" com nítida influência oriental durante os jogos e práticas. Os torneios também parecem estruturados dentro desse modelo, com quatro juízes, bandeiras para anunciar as faltas de cada praticante etc. É mantido o uso do berimbau durante a competição, mas com uma função meramente simbólica, já que parece não ter a menor influência sobre o jogo (que já não é um jogo, mas sim uma luta, com contato).
A “arte marcial brasileira”, então, para gozar do prestígio das outras artes marciais mais bem-sucedidas, precisa ser cada vez menos brasileira, perdendo suas características próprias e incorporando outras que lhe são alheias. Influi também, neste processo, o fato de que os mais fervorosos defensores da Capoeira/esporte são professores de educação física e/ou especialistas em alguma arte marcial oriental. Este currículo e esta influência são claramente observados numa recente publicação de difusão maciça sobre Capoeira (Pinatti e Oliveira Silva, 1984, cap. II), apresentando várias técnicas (especialmente pp. 14-24 e 50-65) que poderiam ter sido tiradas, foto por foto, de um livro de karatê:

3) Uma cooptação ideológica e política da arte pelo sistema: As raízes populares, negras e contraculturais da Capoeira se perdem para dar lugar a uma Capoeira que "é sinônimo de educação, cultura, civismo e saúde" (Pinatti e Oliveira Silva, 1984, II: Regulamento de Competição, p. 3). Segundo esta visão, a prática da Capoeira, “além de diversão, relax para quem apratica, ajuda a desenvolver o poder da vontade, a cultivar a cortesia, e patrocina a moderação da linguagem, coopera com a formação do caráter (...) (Senna, 1980, p13).
Este apelo extremado ao civismo se vê complementado por uma crescente intromissão do militar na prática do esporte/luta. Isto se nota, por exemplo no uso compulsivo do uniforme (que deve estar “bem dobrado, passado e limpo"); na postura marcial do "Salve"; na rígida hierarquização que se impõe com o uso dos cordões; nas exaltações da ordem máxima, disciplina rígida e respeito absoluto, a serem mantidos dentro fora do Templo de Capoeira” (Senna, 1980, p.19, grifo nosso).
Há aspectos menos formais ou inocentes dentro dessa intromissão do marcial na Capoeira: o desenvolvimeto da Capoeira/arte marcial brasileira se produz durante os anos da última ditadura militar; as primeiras tentativas de homogeneização das práticas e regras (simpósios de 1968 e 1969) foram patrocinados pela Força Aérea; uma das primeiras tentativas de regulamentação e sistematização de Capoeira provém de um mestre que a ensina no Colégio Militar. Dirigentes das federações também foram acusados de tentar integrar a Capoeira (para conseguir alcançar sua legitimação e em troca de dádivas diversas) à ideologia política da ditadura militar que dominou o Brasil de 1964 a 1985 (Areias, 1983, p. 77; Capoeira, 1985, p. 155).

4) Concepções evolucionistas subjacentes. Para certo setor dos praticantes, essa evolução da Capoeira de luta "folclórica" a arte marcial/esporte, é uma evolução natural, necessária: "Em todas as partes do globo, cada povo possui um método mais ou menos elaborado de combater - autodefesa (...) que vai fazendo evoluir o progresso da civilização (...) " ( Senna, 1980, p. 11).
Segundo essa visão, a partir dessa modalidade de luta popular, que se desenvolveu de forma empírica - portanto considerada "inexata", "ingênua" -, chega-se ao que muitas vezes é denominado de "Capoeira objetiva". Nesta, supostamente, através do estudo dos movimentos e do conhecimento científico que possuímos do corpo humano, seriam alcançados movimentos e técnicas com um grau máximo de eficiência. O saber popular negro, "primitivo", deve assim ser substituído pelo conhecimento "científico" (não esqueçamos de que muitos dos novos Mestres são professores de educação física) que possuem as classes médias, brancas.

"A Capoeira é executada e praticada de forma empírica, intuitiva e perigosa. Seus participantes não se dão conta de que, racionalizada e com um método adequado, muitos seriam os resultados sociais, físicos e espirituais com que ela poderia contribuir decisivamente para a formação do elemento humano (...) Alcancemos o caminho da codificação da Capoeira como esporte e conseguiremos a posição a que chegaram todas as formas naturais de defesa pessoal de vários povos, as chamadas Artes Marciais, que passaram pelas mesmas fases de marginalização, lendas, crenças, fanatismo etc." (Senna, 1980, p. 14).

Essa concepção evolucionista (e tacitamente racista) está graficamente expressa em Capoeira: A Arte Marcial Brasileira, publicação de grande tiragem, escrita com a assessoria de dirigentes da Federação Paulista de Capoeira. O primeiro volume (Pinatti e Oliveira Silva, 1984, cap. I) consta de duas partes: Capoeira/Cultura e Capoeira/Esporte. Na apresentação da primeira, aparecem quatro capoeiristas negros e o professor, branco. Os capoeiristas negros ilustram aqui as formas como se entra no jogo (as "regras" não escritas), os movimentos básicos e os "movimentos em desuso" (que, parecem ignorá-lo, têm ainda plena vigência nas academias Angola de Salvador). A segunda parte, Capoeira/Esporte, está ilustrada por oito capoeiristas brancos, que mostram as formas de aquecimento (contribuição da educação física) e os movimentos de cintura solta (agarramentos e quedas) desenvolvidos por Bimba. A mensagem é muito clara: a Capoeira como cultura pertence aos negros (e aqui só entram os movimentos básicos, e outros já em desuso) e a Capoeira como esporte (com técnicas mais complexas e assessoria da educação física - o pré-aquecimento) pertence aos brancos. Seguindo esta linha, o segundo volume (Pinatti e Oliveira Silva, 1984, cap. II) desenvolve movimentos de ataque e defesa (luta) que são ilustrados por sete capoeiristas brancos e um mulato (o professor). Desses oito capoeiristas, seis são professores de educação física, confirmando a intromissão de uma disciplina na outra.
Essa versão da passagem da Capoeira, de cultura negra, para esporte branco é basicamente correta, faltando mencionar o fato de que se realiza uma valoração ideológica: a Capoeira como cultura é igualada ao "folclore" e este, estereotipado, como algo pitoresco, estático, do passado. Por isso se pergunta, na mesma publicação: "Será que [a Capoeira] sobreviverá e se massificará como manifestação exclusivamente folclórica? Quantas ‘academias’ de folclore se conhecem?" (A. Ghiberti em Pinatti e Oliveira Silva, 1984, cap. I, p. 65). A Capoeira, para estes autores, só pode sobreviver regulamentada como esporte, ou seja, obedecendo às pautas da classe dominante. Esta apreciação é mascarada como algo necessário, que está "na natureza das coisas".

Tendências atuais da Capoeira.
Qual a influência desse desenvolvimento da Capoeira esporte/arte marcial sobre os elementos que, segundo propusemos no início deste trabalho, caracterizam a Capoeira como arte original?

1) Malícia: Este é um dos aspectos que a Capoeira atual mais perdeu. Quanto a isto, os velhos Mestres, na maioria, são unânimes (Capoeira, 1985, pp. 166-8) em ressaltar que, agora, a ênfase recai na velocidade, na força e nos movimentos acrobáticos, em detrimento da burla e da picardia. Somente depois de vários anos de prática, e de acúmulo de experiência, é que os capoeiristas que praticam esta modalidade adquirem algo da malícia. Nas academias de Angola existentes, os alunos desenvolvem esta qualidade desde o princípio.

2) Complementação: A sincronização, o fluir do jogo e o estímulo-resposta da Capoeira tradicional tampouco são enfatizados nos jogos. A tendência é jogar mais afastado, seja por causa da maior rapidez dos movimentos, e pelo fato de estes serem mais espetaculares, seja pela crescente introdução de movimentos acrobáticos no jogo. Já estes, embora lhe proporcionem a característica de ser um jogo muito vistoso, quebram totalmente a complementação, já que, em geral, não são feitos como resposta a um movimento do adversário, mas sim para o próprio brilho. Na forma mais extremada, encontramos dois praticantes que exibem juntos, mas individualmente, sua destreza física, em vez de jogarem um com o outro.

3) Jogo baixo: Embora não se possa falar, atualmente, de jogo baixo propriamente dito, sem dúvida existe algo que ainda caracteriza e diferencia a Capoeira de outras artes marciais - o uso freqüente de ataques e defesas realizados abaixando-se até o chão.
Provavelmente, no entanto (e sem querer), a maior "descaracterização" (para empregar o termo popular entre os angoleiros baianos) da Capoeira tradicional se dá, justamente, quando praticantes claramente acostumados com a Regional fazem jogos de Angola - fazem-no respondendo ao estereótipo vigente de que o jogo de Angola é algo lindo, porém "passado", sem vigência ou valor como luta, e também sem saber como este jogo realmente é. Jogam lento, mas todo o tempo abaixados (ignorando, como dissemos no início, que Angola utiliza movimentos de pé e em posições intermediárias), e o que fazem, basicamente, são movimentos de destreza física próximos do chão, sem buscar maior complementação com o adversário ou considerar que, na realidade, deveriam também estar lutando. De modo geral, quando há roda, começa-se com o jogo de Angola, lento, "um jogo" (ou seja, sem maior importância), e logo se passa para a Capoeira "a sério", a Regional.

4) Ausência de violência: A ênfase na luta e a Capoeira identificada exclusivamente como arte marcial, em detrimento dos outros aspectos, faz com que a violência esteja cada vez mais presente nos jogos. Já não se joga "com" um adversário, mas "contra" ele.

5) Movimentos bonitos: A estética continua sendo importante e prossegue a busca de beleza nos movimentos, mas a concepção de beleza que se tem é totalmente diferente. A beleza que se busca nos movimentos corresponde, como dissemos no início deste trabalho, a uma estética diferente. O modelo a imitar, com as pernadas, é o das artes marciais orientais e, no aspecto acrobático, o da ginástica esportiva.
Há, além disso, uma ênfase nos movimentos bonitos pela beleza em si, desprovidos de qualquer intenção de deslocamento, ataque ou defesa. Isto não acontece com a Capoeira Angola, na qual todos os movimentos, por mais que se pretenda torná-los bonitos, têm um objetivo. A pirueta bonita, mas sem outro propósito que não seja o visual, ajuda a quebrar a complementação do jogo.

            6) Música lenta: Utilizam-se (ou deveriam ser utilizados, já que isto nem sempre é respeiado) diferentes ritmos para diferentes tipos de jogo. A Regional, no entanto, caracteriza-se por seus ritmos rápidos.

7) Importância do ritual: Embora em menor quantidade que na Capoeira tradicional, continuam existindo regras não escritas para o correto desempenho do jogo. Há, no entanto, certos aspectos que poderíamos classificar como ritualísticos que raras vezes são vistos fora das academias de Angola (como o denominado "pedida de aú", ou "chamada de Angola"), e também gestos rituais próprios da Capoeira tradicional que, talvez por desconhecimento, má interpretação ou, ainda, reinterpretação, são substituídos por outros. Como exemplo, observamos que está bastante disseminado no Sul o costume de "pedir a bença do berimbau", que consiste em levar a mão até o extremo inferior do berimbau e, em seguida, fazer o sinal da cruz, antes de partir para o jogo. Isto substitui todos os gestos que, no mesmo momento, realiza o angoleiro, invocando proteção (trazer o signo de Salomão etc.). No Sul, também, toca-se o chão em frente ao berimbau, imediatamente depois de concluir o jogo, costume que tampouco se observa na Capoeira tradicional.

8) Teatralidade: Este é o aspecto que mais se perdeu. O teatral, o pantomínico, na Capoeira, sempre esteve misturado com o ritual, e sobretudo com a malícia, que o sustenta e lhe dá sentido. É por malícia que sai da teatralização, enganoso e inesperado, o ataque certeiro. Reduzida a parte ritual (que só tem importância no início do jogo e quase não aparece durante este), tirada a ênfase da malícia e valorizada a luta em si, a teatralização quase desaparece.
As afirmações que fizemos sobre o que acontece com as características originais só podem ser consideradas como um reflexo das tendências gerais na prática da Capoeira. Como já mencionamos, esta ainda é uma atividade que exprime a individualidade de cada Mestre e de cada praticante Por isso é que não vingaram as tentativas de homogeneização de sua prática.
Essas características se mantêm, em graus diferentes, nas diversas academias. Mesmo dentro de cada uma pode haver variações, de indivíduo para indivíduo. Também há variações de acordo com o tipo de jogo que se adote (devemos lembrar que há diferentes toques de berimbau, que correspondem a distintas formas de jogo) e do contexto em que é realizado (roda fechada, roda aberta, apresentação, torneio etc.).
Há, também, diferenças zonais. Na Bahia, por exemplo, por ter sido o epicentro do desenvolvimento da Capoeira, sempre estarão presentes, por mais que se enfatize o aspecto da luta, a malícia e a teatralização. No Sul, os movimentos estarão mais próximos das artes marciais e da ginástica.

Academias "mais tradicionais" e "menos tradicionais"
Se é difícil estabelecer uma classificação rígida das academias, o mais acertado, então, seria defender a existência de um continuum unindo dois pólos ideais, entre os quais poderíamos classificá-las ou situá-las de acordo com a medida em que a Capoeira praticada por elas conserva as características apontadas por nós como tradicionais. Um esquema parecido é proposto por Ortiz (1978, p. 88) ao analisar a transformação sofrida pelas religiões afro-brasileiras, em especial com o surgimento da Umbanda.
Então, existirá um pólo "mais tradicional", em que a Capoeira praticada conservaria em maior medida as oito características propostas como típicas da Capoeira tradicional; e outro, "menos tradicional", em que estas características estariam pouco presentes (pouca malícia, pouca complementação, ênfase na luta, violência, movimentos bonitos segundo a estética branca, pouca ritualização e teatralização etc).
Vimo-nos quase tentados a chamar a um dos pólos de Capoeira Angola e ao outro de Capoeira Regional. Mas, como só existem raríssimas academias de Angola no Brasil, e como a Capoeira Regional passou a ser a capoeira neste país, pareceu-nos mais adequada a nomenclatura finalmente proposta. Fica entendido que as academias de Angola estariam situadas no extremo "mais tradicional" da tipologia. Isto não impede que uma academia, por mais que seja de Regional, embora respeite as características desta, também se aproxime do outro pólo. Por exemplo, as opiniões de Mestre Atanilo (um dos discípulos mais antigos de Bimba) sobre a Capoeira atual (Capoeira, 1985, pp. 168-169) poderiam ter sido subscritas por qualquer angoleiro. Depoimentos recolhidos em Salvador demonstram também que as práticas de Bimba eram muito mais parecidas com as de Angola do que as atuais.
Seria interessante verificar, como propõe Ortiz para sua tipologia (Ortiz, 1968, p. 88), se também não poderia a nossa ser relacionada com as diferenças de classe existentes na sociedade, ou seja, se as academias "mais tradicionais" são mais freqüentadas pelas classes mais populares e as "menos tradicionais" pelas classes médias e, "na medida em que a linha de classe coincida com a linha de cor" (Ortiz, 1978, p. 89), verificar se os negros tendem a freqüentar mais o primeiro tipo de academia. Seguramente, haveria também uma diferenciação geográfica: as academias da Bahia podem ser situadas mais perto do pólo "mais tradicional" e as de São Paulo do oposto.
Essa tipologia não pretende ser valorativa, implicando, de alguma forma, que as academias "menos tradicionais" sejam piores do que as "tradicionais." É certo, no entanto, que a Capoeira praticada nas primeiras perdeu várias das características que a configuravam como forma artística própria de um povo, o afro-brasileiro Este fato se agrava quando se justifica esta perda como algo natural e necessário para a evolução desta arte, quando se propõe como "natural" o desenvolvimento da Capoeira de "luta ingênua", "folclórica," (negra) para "arte marcial/esporte", "objetiva" (branca). Ao proceder-se assim, mascara-se a relação assimétrica de poder existente na sociedade e se justifica (mediante uma ideologia racista e evolucionista) a apropriação da arte de um grupo étnico por outro e a mutilação e perda da memória e da identidade desse grupo.

Umbanda e Capoeira regional: dois desenvolvimentos paralelos?
Depois de esboçar um breve panorama do desenvolvimento da Capoeira em nosso século, e de assinalar os condicionamentos sociais que influíram nesse desenvolvimento, acreditamos que uma comparação com a evolução das religiões afro-brasileiras (especialmente com o surgimento da Umbanda) pode ser altamente instrutiva. Sem tentar equiparar exatamente a Umbanda com a Capoeira Regional, há certos paralelismos óbvios no desenvolvimento de ambas, demonstrando que as mesmas forças sociais foram acionadas nos dois casos, principalmente o impulso para um "embranquecimento" das expressões culturais negras.
Como afirmamos anteriormente, não pretendemos negar a essas novas manifestações mestiças sua importância ou valor, já que sua ampla aceitação popular mostra que, além dos interesses de classe que possam ter causado seu aparecimento (ou ter influído neste), constituem, atualmente, manifestações autênticas da cultura popular brasileira. No entanto, sustentamos que têm, efetivamente (ou lhes são conferidas), conotações ideológicas, quando são utilizadas para monopolizar a legitimidade na área que lhes diz respeito, ou são apresentadas como meta à qual, inevitavelmente, devem aspirar as expressões negras que lhes deram origem (por exemplo, quando se clama que a Umbanda é religião e o Candomblé, ou qualquer variante ortodoxa, é superstição, ou que a Capoeira Regional é uma arte marcial e a Capoeira mais tradicional "apenas" folclore).
Nossa análise deverá, forçosamente, ser superficial, mas acreditamos que pode proporcionar pistas interessantes a serem aprofundadas em trabalhos posteriores.
As religiões afro-brasileiras, durante o fim do século passado e parte da metade deste, foram perseguidas e reprimidas pela polícia. Isto se devia ao fato de que o uso de tambores, as danças, os transes, os sacrifícios de animais, a ênfase em melhorar a vida dos adeptos através de meios sobrenaturais (adivinhação, oferendas, trabalhos) eram todos elementos que caracterizavam a religiosidade africana, mas não coincidiam com a visão dominante, branca e católica do que deveria ser uma religião. Seus praticantes, negros e pertencentes às camadas sociais mais baixas, desprovidos de poder político, não podiam opor argumentos à visão racista que os considerava, junto com suas manifestações culturais, um estigma do qual a sociedade brasileira deveria livrar-se para "progredir".
Durante a segunda metade do século passado, o Espiritismo de Allan Kardec se populariza na sociedade brasileira. Nas classes baixas, mistura-se com as práticas afro-brasileiras, influindo enormemente sobre elas. Surge assim a Macumba carioca, o Candomblé de Caboclos baiano etc. Nas classes médias, impõe-se uma versão mais ortodoxa do Kardecismo.
Durante meados da década de 20, um grupo de homens de classe média, brancos, de procedência espírita, insatisfeitos com o que consideravam uma ênfase desproporcional dada aos aspectos doutrinário e intelectual por parte do Kardecismo, começam a freqüentar os centros afro-brasileiros da periferia. Somando à sua bagagem espírita uma ênfase no utilitário e em diferentes aspectos do colorido ritual desses centros, criam uma nova religião que denominam Umbanda (Brown, 1977, p. 33). Esta "Umbanda Branca,", ou "Pura", como é apresentada, elimina elementos de origem africana desses centros: sacrifícios de animais, oferendas materiais, tambores, danças. Estes aspectos, aos quais consideravam "primitivos", chocavam-se com seus valores de classe média.
Esse grupo, a partir de uma casa mãe, começa a fundar outros centros e, em 1939, cria a primeira Federação de Umbanda, com o objetivo de proteger seus filiados contra a perseguição da polícia. Em 1941, realizam o Primeiro Congresso de Espiritismo de Umbanda, no qual propuseram-se a codificar o ritual e a ideologia umbandistas e deram sua versão da origem da mesma, remontando às antigas civilizações da índia ou do Egito (e não da África, porque, aqui, na opinião deles, os grupos só possuíam uma cultura "rudimentar") (Brown, 1977, p. 34).
Essa religião, já "brasileira" e expurgada do "afro", durante certo tempo vê-se restrita, majoritariamente, a núcleos de classe média.
A queda do regime de Vargas possibilita uma aceleração da organização e da difusão da nova religião, através dos meios de comunicação. Multiplicam-se as federações e os líderes de classe média, com sua Umbanda Branca, conseguem maior prestígio e legitimidade para a religião. Este fato, além de sua influência ante políticos locais e a polícia, fazem com que vários centros de menor nível sócio-econômico e com raízes africanas mais fortes entrem em sua esfera de influência, em troca de favores políticos. Por sua vez, os líderes dessas federações de classe média têm de flexibilizar um pouco sua definição de religião, para permitir o ingresso destes centros de classe baixa que, por seu grande número, formavam uma clientela política notável. Para finalidades da década de 50, políticos umbandistas conquistam cargos de vereadores e também de deputados estaduais.
Na década de 60, esses líderes umbandistas de classe média já haviam obtido "uma posição de considerável influência sobre o crescimento da Umbanda no Rio (...) dominavam a apresentação da Umbanda ao público em geral e o processo de sua legitimação e institucionalização dentro da sociedade brasileira (...)" (Brown, 1977, p. 39). Embora não conseguissem unificar os rituais e a ideologia de todos os centros do Rio, sua concepção cresceu por todo o Brasil e teve "um efeito nivelador sobre as tradições regionais de muitas cidades, influenciando-as na direção de uma religião nacional mais uniforme" (Brown, 1977, p. 40).
A ditadura militar que se estabelece em 1964 é benévola com essa nova religião, que considera um possível meio de controle político. "Os militares, rapidamente, tornam-se muito mais visíveis e numerosos, como líderes de centros e federações de Umbanda" (Brown, 1985, p. 35). É sob o governo militar que o registro dos templos passa da jurisdição policial à civil, a Umbanda é reconhecida como religião no censo oficial e muitos de seus feriados religiosos são incorporados aos calendários públicos (Brown, 1985, p. 35).
Assim, a Umbanda, como variante "mais branca" (Ortiz, 1978) da religiosidade afro-brasileira, acomoda-se bem aos valores sociais vigentes e é integrada ao sistema e legitimada. Por esta razão, expande-se nos diferentes níveis sociais e em todas as áreas geográficas, influindo fortemente, ainda, nas outras variantes da religião afro, tanto as mais sincréticas (Batuque do Pará, Pajelança) como as mais ortodoxas (Candomblé da Bahia, Xangô de Recife, Batuque de Porto Alegre).
Não existe, porém, uma única Umbanda apenas. A Umbanda branca, influencia, como dissemos, os centros mais africanizados, mas não chega a impor completamente sua ideologia e ritual. Por isso é que, a partir de Ortiz (1978), reconhece-se, em geral, que se pode agrupar os templos de Umbanda ao longo de um continuum que vai desde os "menos ocidentalizados" (os que conservam vários traços africanos, como tambores, sacrifícios etc.) até os "mais ocidentalizados", que prescindem desses elementos e adotam uma prática mais parecida com a do espiritismo.
Comparando o desenvolvimento de ambas as expressões populares (a Umbanda e a em 1972 Capoeira Regional), que paralelismos podem ser estabelecidos?
Em ambos os casos, havia uma manifestação cultural de origem africana, praticada majoritariamente por setores sociais mais baixos, nos quais predomina a gente de cor (Capoeira tradicional, Macumba e Candomblé). Estas práticas eram estigmatizadas e perseguidas em virtude de sua origem étnica e social.
Num determinado momento, um grupo de homens das classes mais acomodadas interessa-se por essas manifestações culturais. Assim, em meados da década de 20, um grupo de "kardecistas insatisfeitos" toma elementos dos centros afro-brasileiros e cria a Umbanda. Em meados da década de 30, Mestre Bimba, negro, cria a Capoeira Regional, a partir da tradicional.Sua ênfase na luta, em detrimento de outros elementos culturais, faz com que sua academia passe a ser freqüentada, na maioria, por brancos da classe média.
Essas novas variantes, purgadas de vários de seus elementos negros (a Umbanda não utiliza sacrifícios nem tambores; a Capoeira Regional tira a ênfase do jogo, do ritual e da teatralidade) e praticadas por indivíduos com maior prestígio e poder social, vão aos poucos legitimando-se (cria-se a primeira Federação de Umbanda, em 1939, e a academia de Bimba é reconhecida oficialmente em 1937).
O processo é lento mas, em fins da década de 50, a Umbanda expande-se para vários outros estados, cria no Rio várias federações e elege os primeiros políticos umbandistas. A Capoeira ainda é explorada como "folclore" na Bahia, mas também ganha, como método de luta, cada vez mais adeptos nas classes médias. Começa a emigração de capoeiristas que vão ensinar Capoeira Regional em outros estados.
Em fins da década de 60, a Umbanda expande-se nacionalmente. Sua heterogeneidade ritual e ideológica não impede que seja praticada em quase todo o Brasil e que conceitos seus se infiltrem até nas variantes religiosas regionais mais ortodoxas. O governo militar a favorece como forma de aumentar seu consenso na população. Por outro lado, a Força Aérea da época fomenta simpósios para homogeneizar a prática da Capoeira. Realizam-se os primeiros torneios e se começa a visualizá-la, como esporte. Assim, o governo a reconhece oficialmente em 1972.
Durante a década de 70 e os anos que se seguiram, a Umbanda se fez presente no Brasil inteiro e tornou-se "a religião brasileira". A Capoeira Regional (que, por causa do ínfimo número de academias que ainda praticam Angola, passou a ser a Capoeira) torna-se a "arte marcial brasileira" e é praticada no Brasil inteiro. Ambas as variantes, com as transformações sofridas, tendo sido renegados os elementos negros que inicialmente as caracterizavam, são integradas ao sistema e legitimadas. O estigma, no entanto, não foi completamente eliminado. Uma crescente burocracia, através de federações cujos dirigentes são, em geral, brancos, tenta regulamentar e depurar ainda mais essas variantes. Mas estas, embora modificadas, ainda têm em seus praticantes individuais grande parte do caráter popular que lhes deu origem e resistem a encaixar-se nos rígidos moldes que lhes impõe o sistema.

Traduzido do espanhol por Sonia Coutinho.

NOTAS:

1 - As academias de Capoeira Angola onde se concentraram nossas observações foram: a "Academia de João Pequeno de Pastinha: Centro Esportivo de Capoeira Angola", do Mestre João Pequeno, e o "Grupo de Capoeira Angola Pelourinho", liderado pelos Mestres Moraes e Cobrinha.

2 - Não estão incluídas na análise as recentes contribuições de D'Aquino (1983) e Lewis (1986), já que não as conhecíamos quando escrevemos nosso trabalho. Ambos os autores realizaram seus trabalhos de campo em Salvador; Lewis, principalmente nas academias de Capoeira Angola, e D'Aquino, sobretudo nas de Regional. A partir da semiótica, Lewis (1986) considera a Capoeira como "um teatro de dominação e liberação da dominação", no qual se expressam pautas de interação derivadas do período da escravidão. D'Aquino (1983), conceituando a Capoeira como um sistema simbólico, analisa seus mitos e ideologia e a forma como estes se expressam durante os jogos. Embora os interesses teóricos destes autores sejam diferentes dos nossos, os dadosetnográficos que trazem em nada modificam (pelo contrário, apóiam) a análise aqui apresentada.

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